“A
ascensão dele foi irresistível, aceitou o papel dele Com
a simples explicação de sofrer para o arte dele Sem
pensamentos iniciais de uma recompensa resplandecente O
prémio foi o saber que repararam no trabalho dele e gostaram”
|
“His
rise was irresistible, he grew into the part
His
explanation simply that he suffered for his art No
base consideration of some glittering reward The prize was knowing that his work was noticed and adored” |
Letra: F. Mercury, M. Moran and T. Rice
Ayrton
Senna
Um livro que descreve a vida de um homem que morreu há um pouco mais de 2300 anos, embora vivesse ainda hoje, começa com as palavras: “Primeiro soubemos que ele era solitário. Não estava só, porque sempre estava cercado com pessoas. Era solitário, sozinho com os pensamentos dele.”
Com estas palavras Harold Lamb apresenta-nos
o Alexandre da Macedónia, quem aparece como um digno ponto de comparação com
o Ayrton Senna, apesar dos milénios que os separam, porque os dois grandes
homens tê em muitas coisas em comum. Não há muitas pessoas na história que
sonhem com obras grandes, que façam as obras grandes, que sejam místicos e prácticos
realistas ao mesmo tempo. E é que foram precisamente estas as características
da personalidade do Alexandre e do Ayrton.
Até as palavras que as pessoas acrescentaram
aos nomes deles foram as mesmas, o que não pode ser uma mera coincidência. O
Alexandre era conhecido como Magno, e os contemporâneos dele também o chamavam
de maluco, enquanto o Ayrton foi conhecido como o Brasileiro Grande, mas também
como o brasileiro maluco.
Foi assim que esse brasileiro descreveu as emoções que tinha sob influência da velocidade:
“Isso
é uma situação quando a gente quer seguir em frente, mais em frente, para
alcançar um nível maior, a situação que leva até um mundo totalmente
diferente, é como o descobrimento dos mundos desconhecidos, lugares aonde nunca
tínhamos ido.”
Quando lhe fizeram a pergunta se havia uma pessoa que ele gostava de conhecer, respondeu:
“Gostava
de viajar no tempo, para as mais diferentes épocas, não da minha vida, senão
a da humanidade. Nos anos 70, 60, 50, 40, 1900, 1800, 1500, nos anos antes de
Jesus, e gostava de encontrar todas as pessoas que tinham feito a história ou
fizeram umas coisas boas. Só queria olhar, ver o que é que tinham feito na
realidade, porque é que fizeram certas coisas, boas, ou más. Acho que isso
seria o mais importante para melhor compreender a vida e os seres humanos.”
Sim,
isso era bom, porque por exemplo, o Alexandre foi mal interpretado como um
conquistador e guerreiro, sedento da glória até o ponto de querer conquistar o
mundo inteiro, embora em realidade só fosse fiel à própria lei dele, à
procura do “lugar onde moravam os deuses”*.
Foi por isso que ele saiu no até hoje incompreensível caminho para o Oriente.
Foi ali que morreu. Tinha 32 anos e 8 meses. Após a partida dele, já nada ia
na mesma, seguindo a sua voz interior, ele mudou a história; quebrou as
fronteiras, misturou os povos e as culturas assim abrindo o caminho para a nova
época.
O Ayrton teria compreendido o Alexandre completamente, porque as estructuras das almas deles foram parecidas de uma forma extraordinária (eu própria acredito que também foram parecidos fisicamente), mas quem é que compreendeu o Ayrton? As pessoas do mundo da F-1 com quem estava a trabalhar, achavam que só queria as victórias e os títulos, até o ponto de o chamarem “maluco”, perigoso para as outras pessoas, porque supostamente não escolhia os meios para atingir os fins.
Os milénios neste caso não representam nada, a incompreensão é a mesma hoje que antes. Mas o parecido é evidente também, no que os dois gostaram imenso - o macedónio do Bucéfalo, o cavalo preto dele, e o brasileiro tinha dito uma vez, meio em broma:
“Cada
semana estou apaixonado duas vezes, pelo meu bólide, e pelo meu bólide de
reserva.”
E
quando este amor começou? Muito cedo, ainda na infância, quando lhe ofereceram
um carrinho e ele jogou com ele. “Fazia
isso para mim, para a minha alma,
quase nem sabia quem era” - lembrava-se o Ayrton um dia destas primeiras emoções.
Ao escrever da carreira dele, costuma-se pôr
o acento no facto de ele ter nascido num ambiente rico, e que a independência
financeira foi o que assegurou o êxito dele. Com certeza que o dinheiro que
tinha lhe fez escapar dos muitos problemas graves que ameaçam aos pobres, mas
também está certo que ele só dava ao dinheiro a importância que lhe pertence
e mais nada. Havia outra coisa que o motivava e movia.
Ele conduzia o cart e fórmulas de vários tipos durante toda a infância e a juventude e fazia-o com tanto amor e aplicação que tudo isso voltou a ser uma parte dele, do qual ele próprio nos disse:
“O
bólide é uma parte de mim, o bólide é a minha extensão, porque eu estou
junto com ele, voltou a ser uma parte do meu corpo.”
À idade de 13 anos entrou oficialmente no mundo das corridas
dirigindo-se logo para as vitórias, porque isso era a única coisa que lhe
interessava. Não queria apenas participar, sempre queria ser o primeiro. Varias
pessoas tentaram explicar essa característica dele, mas nenhuma explicação
tinha sido satisfatória. Porque sempre conduzia o mais rápido possível, sem
pensar se se tratava dos treinos ou das corridas verdadeiras? Achavam que isso
era um grande erro dele porque dessa maneira não sempre foi o mais rápido
quando era preciso, perdendo a força antes do tempo. É muito difícil explicar
isso com lógica porque à primeira vista esse comportamento parece contraditório
e aqui talvez possa ajudar mais uma comparação com o Alexandre. Cada manhã o
jovem Alexandre oferecia como sacrifício aos deuses um incenso raro e precioso.
Apanhava-o no punho e deitava-o no fogo com abundância. O primo dele, Leonidas,
reclamava-lhe com frialdade: “O incenso sagrado não é areia para o lançar
com punhos.” Então o Alexandre sentia-se amarrado nos pensamentos dele; sim,
o incenso era precioso, mas ele oferecia o sacrifício aos deuses,
agradecia-lhes pela vida, como podia apanhar só o que dava com 3 dedos, para
dispôr do incenso num período determinado? Ele pensava que tinha que
sacrificar tudo ou nada. E não podia explicar os sentimentos dele aos parentes
reais. (10 anos mais tarde o Alexandre enviou ao Leonidas, da Ásia longínqua,
uma carga imensa do incenso. “Envio-te isto, Leonidas, para não seres mais
avaro quando ofereceres o sacrifício aos deuses”, foi a mensagem dele.)
Da
mesma forma o Ayrton não podia conduzir com a metade ou com os três quartos da
capacidade dele e poupar-se para mais tarde. Conduzia sempre o mais rápido que
podia, porque isso era o estilo da vida dele, o sacríficio aos deuses dele –
tudo ou nada, sempre, sem se importar se isso trazia o título do campeão
mundial ou apenas a satisfação interior por causa de um trabalho bem feito.
Por isso para o Ayrton tanto dava se era primeiro numa corridinha sem
significado para os ambiciosos ou numa corrida do maior prestígio da F-1.
Sempre tinha que tentar ser primeiro, mas só de uma maneira: com honestidade, lá
fora na pista, sem truques e enredos de soslaio.
Que
pensam, como é que teria acontecido a muito contada cena da tenda do Fullerton,
na qual o Terry não queria que o Ayrton olhasse nos seus livros dos tempos, se
mudássemos os papéis? Com certeza desta forma: muito a sério, com a maior
aplicação, tinha comparado os tempos dele com os do Fullerton, discutindo
sobre os mais mínimos detalhes, sem se importar com o facto que Terry fosse um
concorrente. Então teria saído, ter-se-ia sentado no veículo dele, e teria
conduzido até obter um tempo novo, melhor. Ele entendia a concorrência dessa
maneira, e não queria guardar o conhecimento e a arte dele só para ele próprio.
A prova disso é o livro que tinha escrito, já sendo um desportista muito célebre.
Tinha posto no livro as experiências adquiridas durante os anos. Tinha descrito
tudo o que podia ter interesse para os novos entusiastas, desde os segredos no
modo de conduzir até as preparações físicas e mentais requisitadas por este
desporto extremamente exigente. Ao lermos este livro, parece-nos que não queria
omitir absolutamente nada, e isto foi o que escreveu na introdução:
“Deste
livro aprenderão muitos dos meus segredos no arte de correr: como ultrapassar,
como passar pelas curvas rápidas de forma controlada, como se concentrar no início
da corrida, como ajustar a suspensão e poupar os pneus, o que eu faço para
conquistar a posição pole e como
deve ser a preparação física para as corridas.”**
Ele
deu pelo vazio na literatura especializada nessa matéria nas livrarias do mundo
inteiro e queria preenchê-la.
Foi
assim que também desta maneira ele compartiu com os outros o que sabia. Foi o
estilo da vida dele, a maneira de trabalhar dele. E dessa maneira não se pode
viver por muito tempo sem ser ferido. Uma ferida dessas foi aquele encontro com
o Terry – nunca mais entrou na tenda dele. Mas sempre gostava de se lembrar do
Terry e dos duelos deles dois.
É
claro que nesta primeira época do carting devia ter muitas mágoas por causa
dos regulamentos diferentes e das mudanças dos mesmos. Isso foi apenas um presságio
ligeiro da luta contínua dele contra as autoridades que absolutamente devia
acontecer. Ele sempre soube conhecer as vaidades, e com o tempo aprendeu como
evitar que lhe obrigassem a participar nelas. Houve muitos casos mais que
completaram, tijolo por tijolo, aquele muro imaginário que tinha construido ao
redor dele e em que se tinha falado tanto. É verdade que ele se tinha cercado,
mas foi por uma razão só, foi a auto-protecção. Ele teve que levantar esse
muro para poder funcionar de acordo com as normas aceites em geral, e ao mesmo
tempo ficar fiel às mais importantes: às próprias normas dele. Sem protecção
isso teria sido impossível. “Foi assim
que cheguei até o meu segundo rosto”, uma vez explicou o Ayrton. Foi ele
que sofreu mais por causa dessa isolação porque tendo um carácter alegre,
sociável e
E como é que o Ayrton entrou no mundo da F-1?
Senna & Liliane, his ex-wife
Ao tomar esse caminho de forma definitiva, teve que mudar também o
apelido. O verdadeiro apelido dele, da Silva, foi tão frequente no Brasil que
procurava uma coisa mais original. Primeiro tentou acrescentar o apelido da mãe
ao apelido dele, mas isso foi demasiado complicado para os ingleses. Foi por
isso que em fim ficou com o apelido da mãe. Voltou a ser o Ayrton Senna (o que
era complicado também, porque essa mudança não ajudou nada, o verdadeiro
problema não foi o apelido, senão o nome dele, este é que fazia os problemas,
e não só aos ingleses).
Senna & Brundle (on the right)
Os anos 1982 e 1983 foram em efeito os preparativos graduais
(porque ele
não desejava saltos bruscos, sabia que tinha que aprender) para o passo à F-1.
A luta encarniçada dele com o Martin Brundle para o campeonato da F-3 foi outro
presságio de alguns célebres combates no futuro, conhecidos no mundo inteiro
do automobilismo. Ele ganhou o campeonato da F-3 no ano ’83, diante do Brundle
e os dois passaram à F-1. É possível citar precisamente o Martin Brundle por
ter sido completamente sincero ao falar do Ayrton Senna; “Eu tenho que
confessar”, disse o Martin “que nunca tinha conhecido o Senna na realidade.
Na minha opinião foram poucos os que o conheciam”. Esta
opinião podia ser aplicada a quase todos ao redor dele: simplesmente não o
conheciam, seja o que for que diziam.
**
Ayrton
Senna, “Principles of Race Driving”,
Hazleton Publishing Ltd., 1993.