TRAZ-ME A CASA

(Guide Me Home)

 

 

 

“Agora o vento perdeu a minha vela

Agora o cheiro abandonou a minha prova

Quem me encontrará

Cuidará de mim e atracará ao meu lado

Traz-me de volta

Salvo a minha casa

Onde eu pertenço

Mais uma vez

 

Onde está a minha estrela no ramo do céu

Onde está a minha força agora preciso dela

Quem me pode salvar

Me levar ao meo destino

Traz-me de volta

Salvo a minha casa

Onde eu pertenço

Mais uma vez

 

Now the wind has lost my sail

Now the scent has left my trial

Who will find me

Take care and side with me

Guide me back

Safely to my home

Where I belong...

Once more

 

Where is my star in heaven’s bough

Where is my strength, I need it now

Who can save me

Lead me to my destiny

Guide me back

Safely to my home

Where I belong

Once more  

  Voz: Montserrat Caballé, Freddie Mercury

Letra: Freddie Mercury, Mike Moran

 

 

UM DE MAIO DE 1994

            

Entre as pessoas do mundo da F-1 o Ayrton tinha um amigo leal que pensava como fazer homenagem, pelo menos de forma simbólica, ao compatriota dele, morto no sábado. Joseph Leberer lembrou-se de que o Ayrton no domingo depois de ganhar (porque ele é que ia ganhar!), gostava de levantar a bandeira austríaca como a ultima saudação ao Roland. Ayrton tê-lo-ia feito com todo o coração. Joseph sabia-o, Joseph conhecia o Ayrton. Mas no domingo não se levantou a bandeira de ninguém. A mão que teria levantado a bandeira austríaca estava morta, e não houve outra que levantasse a bandeira brasileira; o vencedor da corrida em Imola conduzia literalmente sobre o sangue do Ayrton. Os motoristas não têem a culpa de continuar aquela corrida vergonhosa. Naquele momento eles não foram mais do que os bonecos no fio que tinham que obedecer a decisão dos funcionários. Todos menos o Berger, para o Gerhard, em fim, as lágrimas foram mais fortes do que tudo.  

 

   

  Joseph Leberer, Ayrton's physioterapist, Monaco 1994    

 

Porque e como tinha podido acontecer que o espectáculo continuasse apesar da tragédia do Ayrton? Porque aquela continuação é imperdoável. Temos que considerar as coisas do ponto da vista dos que organizam e administram este circo, cruel no fundo, (e cada circo é cruel), para compreender o porquê.

Os funcionários não gostavam nada do Ayrton. Apesar de todas as palavras que foram ditas, a verdade aparece detrás de cada uma delas. O brasileiro ascético, com os princípios éticos inalcançáveis e com o carácter teimoso não podia calhar bem à qualquer autoridade. Tinham que respeitá-lo, mas tinham preferido se não tivesse existido. Uma vez M. Brundle, meio a brincar, mas com muita sinceridade, exprimiu os sentimentos verdadeiros dentro da F-1, relacionados com o Ayrton, embora falasse da posição do concorrente. “Eu gostava” – disse – “que se fosse embora de uma puta vez e voltasse ao Brasil. Então é que os outros tinham hipótese. Não há dúvida de que ele é um grande motorista – que se lixe.” 

 

Aida 1994

 

Estas palavras estão em vigor para os funcionários – desejavam que ele voltasse aos negócios no Brasil de uma puta vez, e que deixasse de estragar o regime gladiador na F-1 para sempre. Por isso deve ser que os primeiros pensamentos no momento quando o bólide no. 2  caiu fora da corrida de forma definitiva foram um bocado diferentes daqueles compostos com cuidado mais tarde, e mostram-nos a verdade. Que teriam pensado certas pessoas naquele momento? Alguns confessaram-nos eles próprios, e podemos imaginar outros fácilmente:  

funcionários: Oxalá ficasse muito tempo fora do jogo, não nos incomodará com as questões da segurança...  

M. Schumacher: Optimo, agora estou óptimo…

jornalistas: Que pena, a corrida deixa de ser engraçada (falta da presa)…

algum adepto: Não outra vez…

Adriane: Que bom, chegará a casa mais cedo

 

Que tinha pensado o chefe dos chefes Bernie Ecclestone, porque foi ele quem trouxe a decisão de lavar o sangue da pista e comecar de novo. O Bernie disse ao irmão do Ayrton 10 minutos após o choque, comendo uma maçã: “Desculpa, ele está morto, mas vamos publicar isso só depois da corrida.

As pessoas costumam comer maçãs quando estão contentes com o desenvolvimento dos assuntos à volta delas. Essas palavras e essa decisão põem o Bernie Ecclestone numa categoria particular, o que ficou confirmado também pela família Senna, firme na decisão de que a presência dele no funeral era indesejável.

 

A relação verdadeira do Ayrton como homem e da administração da F-1 como instituição pode-se ver, nua até o fundo, na conversa que teve o Ayrton ao telefone, no sábado após a morte do Roland, com a namorada (a Adriane não estava em Imola). Ela perguntou: Como andam as coisas por ai? E ele respondeu engolindo as lágrimas: “É tudo uma merda! Merda! Merda!… O condutor austríaco… Teve o choque e morreu… Eu vi isso: morreu diante dos meus olhos… E eles dizem que morreu no hospital… Ele morreu ali… Eu vi isso…”

Ele viu e soube que ali não havia piedade e que o circo mais rápido do mundo não vai ser parado nem sequer pela morte. “Você não os conhece? É assim. Eles são assim” – ele respondeu a tentativa fraca da Adriane para o consolar.

Não, ela não os conhecia, e infelizmente esse último grito pela compreensão e apoio foi dirigido à pessoa que não estava na altura do caso.

Mas quando ele também se foi embora, as autoridades (que ele conhecia tão bem) alegraram-se demasiado cedo de que em fim se tivessem livrado do “brasileiro maluco”, porque ficou bem claro que nem sequer a morte não tinha força suficiente para o tirar das costas deles por completo. Depois da partida dela, já nada ia na mesma porque a Fórmula 1 não foi aprovada no exame no dia um de Maio de 1994.

O mundo, frio, estéril, da alta tecnologia e alta política, esse mundo da F-1 foi apenas um quadro que fazia realçar a personalidade mansa e ao mesmo tempo incrívelmente forte do Ayrton. Agora quando o Ayrton já não está, ficou o quadro, como o corpo sem alma. E isso sente-se.  

 

Imola 1.5.1994

 

Como o Ayrton nos abandonou fisicamente? Depois do choque principal do Lamy e do Lehto no começo, conduzia-se detrás do carro da segurança. Ayrton não gostava de conduzir dessa maneira, porque aquilo era uma limitação, uma incerteza – a gente sabe que qualquer coisa tinha passado, mas não exactamente o quê, e além disso é preciso calmar de novo o carro que já comecou a aquecer e obrigar os nervos à espera. E naquele dia em Imola para o Ayrton era particularmente difícil de esperar, porque se antes não tinha podido esperar, agora não devia. Por isso é que se precipitou, à toda força, assim que o carro da segurança se foi embora do caminho. Precipitou-se com um desejo único, que não tinha nunca antes, e era que a corrida acabasse o mais cedo possível, que ficasse por atrás dele. Nos pensamentos já tinha passado a curva Tamburello quando o carro o traiu. O pasmo para os nervos foi terrível, mas não o paralizou. Ele sabia o que acontecia, os pensamentos são mais rápidos do que o carro, nem que fosse correndo a 300 km/h. A zona de saltar fora é demasiado pequena – percebeu, horrorizado, enquanto corria directamente para a parede de cemento que em fim formou o seu limite físico.  

“Quando o choque vem, eu sei que vou chocar. Não fico cego. Alguns condutores dizem que se excluem, mas eu sinto o que vai acontecer.”  

 

Ele deixou-nos estas palavras e com a ajuda delas podemos tentar compreender o que teria passado naquele curto pedaço do tempo. Primeiro fiz com cuidado o que se podia fazer com o carro, reduziu a velocidade de 300 km/h a 210 km/h, não conseguindo preparar o corpo pelo que vinha, só tinha preparado o espírito; rezou a breve oração dele - Meu Deus, meu Deus, não me abandone. Fechou os olhos, e então, então lhe traiu também o famoso capacete amarelo dele, ao qual tinha sido fiel durante tantos anos, e todo este mundo desapareceu pelo Ayrton Senna, no esplendor da luz cor de laranja. Aconteceu tão rapido que não teve tempo para sentir medo. Em lugar do medo chegou a morte.

Ayrton Senna enfrentou a morte como sempre enfrentava a vida – sem medo.