INSINUAÇÃO

(Innuendo)

 

 

 

“Enquanto o sol estiver no céu

E a areia no deserto

Enquanto as ondas baterem no mar

E encontrarem a a terra

Enquanto houver o vento e as estrelas

E o arco-íris

Até as montanhas cairem à planície

Sim, nós seguiremos tentando

Pisar aquela linha fina

Sim, sequiremos tentando

Somente passando pelo nosso tempo

 

Enquanto vivimos de acordo com a raça

A cor ou a crença

Enquanto governamos com a loucura cega

E pura cobiça

As nossas vidas ditadas pela tradição

Superstição

Fé falsa

Para a eternidade e ainda mais longe

Sim, nós seguiremos tentando

Pisar aquela linha fina

Sim, nós seguiremos tentando

Até o tempo acabar

Até o tempo acabar

 

Pela tristeza,

Por todo o nosso esplendor

Não fiquem ofendidos com esta insinuação

Tu podes ser o que queiras

Apenas vira-te no que penses

Que possas ser um dia

Está livre com o teu ritmo

Está livre, está livre

Entrega o teu ego, 

Está livre, está livre

A ti próprio

 

Se houver um deus, ou qualquer justiça

Debaixo do céu

Se houver um sentido, se houver uma razão

Para viver ou para morre

Se houver uma resposta às perguntas

Que temos que perguntar

Mostra-te – destrui os nossos temores

Tira a tua máscara

Sim, nós seguiremos tentando

Pisar aquela linha fina

Nós seguiremos sorrindo

E o que será – será

Nós apenas seguiremos tentando

Nós apenas seguiremos tentando

Até o tempo acabar

Até o tempo acabar

Até o tempo acabar”

 

 

While the sun hangs in the sky 

And the desert has a sand

While the waves crash in the sea 

And meet the land

While there’s a wind and the stars

And the rainbow

Till the mountain crumble into a plain

Yes, we’ll keep on trying

Tread that fine line

Yes, we’ll keep on trying

Just passing our time

 

While we live according to race, 

Colour or creed

While we rule by blind madness

And pure greed

Our lives dictated by tradition,

Superstition, 

False religion

Through the eons, and on and on

Yes, we’ll keep on trying

Tread that fine line

We’ll keep on trying

Till the end of time

Till the end of time

 

Through the sorrow,

All through our splendour

Don’t take offence at my innuendo

 You can be anything you want to be

Just turn yourself into anything you thing 

That you could ever be

Be free with your tempo, 

Be free, be free

Surrender your ego,

Be free, be free

To yourself

 

If there’s a God or any kind of justice 

Under the sky

If there’s a point, if there’s a reason

To live or die

If there’s an answer to the questions

We feel bound to ask

Show yourself – destroy our fears 

Release your mask

Yes, we’ll keep on trying

Tread that fine line

We’ll keep on smiling

And whatever will be – will be

We’ll just keep on trying

We’ll just keep on trying

Till the end of time

Till the end of time

Till the end of time

 

  Voz: Queen

Lertra: Queen

 

 

PORQUE AYRTON?

   

"Ayrton, como posso esquecer-me de ti?" - A mensagem de um adepto na pista em Spa

 

Muitas pessoas tentaram responder a esta pergunta. Foram escritas centenas das páginas sobre a morte do Ayrton; muitos autores esforçaram-se para compreender porque foi precisamente ele quem faleceu com crueldade à vista dos milhões. Porque ele não devia morrer. Como desportista, era um profissional excelente, como homem do mundo, foi milhonário, como homem de negócios tinha muito êxito, como ser humano fazia boas obras – a única esperança de milhares dos marginais, e além disso era um símbolo vivo das características positivas, das que dão coragem no mar do desespero e dura realidade. Mas ele morreu. Porque?

 

A gente costuma ser pequena e desamparada ante esta pergunta. Houve várias reacções. Os cínicos não se importaram e disseram: “Onde está o Deus dele agora?” Os fracos e os tíbios perderam a pouca fé que tinham. As pessoas do “mundo de cemento” viraram-se para os outros sem pensar muito, os frívolos esqueceram-se logo, mas eu tenho o pressentimento que haja outros, que tanham sentido a morte do Ayrton doutra forma, não capazes de se esquecer dela apesar da morte.

 

Eu procurava com ardor a resposta, durante dias, meses, agora já anos, quem era esse homem, que significava para mim, como passou isso, que alguém estranho por completo voltasse a ser a parte da minha vida no momento de morrer, de forma que não o posso tirar dela nem me esquecer dele? Porque eu não sou um adepto da F-1. Nunca via as corridas com interesse. Isso era um desporto bastante incompreensível e por isso pesado para mim, uma coisa que se via sem dar por ela. E não sabia quase nada do Ayrton, se não fosse o nome dele, nem sequer conhecia a aparência dele. Não tinha nenhuma ligação com ele, e a morte dele não foi a primeira da qual foi testemunha ao ver televisão. Sempre me afastava do êcran quando estavam a repetir a morte de alguém, isso me doia. Afastei-me naquela altura também mas foi inútil – a tragédia do Ayrton andava atrás de mim. Uma força obrava. Eu sentia o horror e a dor daquele momento terrível em todas partes, como se chegasse do Universo e do meu coração ao mesmo tempo. Foi um momento da grande confusão, eu senti uma perda imensa, todo o meu ser queria impedir aquilo, e a incapacidade fazia-me rebentar. Fiquei muda e ao mesmo tempo havia uma coisa em mim que gostava de gritar.

As palavras de uma canção podiam descrever até certo ponto aquele momento irracional: “É assim, mudo e cheio de gritos o morrer dele” – assim fala o poeta deste pedaço do tempo no qual uma coisa inexplicável me ligou ao Ayrton, com um laço firme (e nunca tinha visto a cara dele! Vi-o apenas mais tarde – no telediário: uma gravação a passo lento do Ayrton pondo o capacete). E o mais estranho é que esse laço não tivesse desaparecido nunca mais. Já não era uma confusão como naquela tarde longínqua, cheia do sol, senão se fez uma coisa permanente, de valor, uma coisa a qual não se pode faltar. O Ayrton Senna fez-se uma parte indivisível da minha alma, voltou a ser um elo na minha vida.

 

Paris Bercy 1993

 

Quando depois da morte dele andava à procura de todos os factos possíveis e impossíveis sobre ele, encontrei também estas palavras que tinha dito, consciente de que as pessoas se iam rir dele, porque falava em público das experiências espirituais que tinha: 

 

“Eu sabia no avanço que ia haver pessoas que gozariam com isso – as coisas são assim, eles estão aqui para isso. Para mim eles são uma minoria e não são dignos de pensar neles. Mas os outros que escutam com atenção são muito mais importantes. Talvez o que digo possa ser um elo da cadeia para eles, nos sentimentos deles, na vida deles.”

 

É mesmo incrível como aquelas palavras se fizeram verdade. Ayrton é literalmente um elo na minha vida, um símbolo poderoso no meu caminho da individualização. Eu li muitos livros dos quais tentei perceber a maneira como funcionam esses fenômenos, porque os fenômenos são reais, se tiverem consequências reais. Procurando encontrei as obras de C. G. Jung. Esse grande pensador e ainda maior sábio nos assuntos do funcionamento da alma humana deu-me muitas respostas. Mas aqui não é possivel entrar numa análise mais ampla, e isso requeria um perito. Porém vou citar uma definição de Jung que podia deitar um pouco da luz no caminho do Ayrton à procura do lugar “onde moravam os deuses”. Jung escreve:

“Esse caminho para a experiência religiosa primária está correcto, mas quantos conseguem reconhecê-lo? É uma voz baixa que vem de longe. É ambigua e cheia de dúvida. Aliás, significa o perigo e a coragem. É uma pista insegura onde só se pode andar com a vontade de Deus, sem certeza e confirmação.”

 

             Ao ver o caminho da vida do Ayrton, vemos bem claro com quanta pena e dor ele ia por esse caminho dando-nos um exemplo – aquilo foi a missão dele, dar um exemplo àqueles que ouçam com atenção. Agora que o Ayrton se foi ido embora, as pessoas que compreendem têem que seguir em frente sozinhas. Cada um no seu ambiente e de acordo com as próprias capacidades, porque nas nossas vidas estão presentes todos os elementos que tinhamos podido seguir na vida do Ayrton. Todos estamos obrigados a lutar contra as dificuldades da vida, enfrentar várias autoridadees e injustiças, ou a dor física e psíquica. Temos que viver e tentarmos dar nessa vida o melhor que somos capazes de dar. É a única forma correcta de viver, porque tem que haver uma forma correcta de viver, e ao mesmo tempo a única forma de ficarmos leais à lembrança do Ayrton.

 

“A única forma de a gente melhorar é viver, viver dia após dia, e  com isso aprender a viver”, foi a mensagem do Ayrton.

 

 

    Um dia tive um sonho no qual isso foi dito de uma forma muito simbólica. Sonhei com que estava numa seara com terra arada faz pouco tempo. Os sulcos foram compridos, estendendo-se no infinito, e eu andava por eles semeando uma semente. Isso parecia-me demasiado duro por o campo ser tão enorme, não se via o fim. Por isso digo a mim – quem vai semear tudo isso… Ouço a resposta. O Senna arou esta seara, e tu tens que semear!

Sonho com o Ayrton com frequência e sempre são os sonhos que respondem aos meus dilemas. Quase parece que desta forma comunico com ele. Dostoievski descreveu num livro todas as palavras que uma personagem dele diz antes de morrer: “Pouca gente fica na memória dos homens, mas não faz mal, embora se esquecessem, eu amaria-vos também do meu túmulo. Vivam e alegrem-se: vou vir nos vossos sonhos… Seja como for, o amor continua após a morte!…”